A colheita baldia de abril

l - O Homem sem Lucidez

          I
Pois não mais espero...

Pois não espero mais
Pois não espero;
Pois não mais espero pela noite sem retorno;
A esta maçã rumorejando o marulho do inverno em meio às hulhas,
A este, aquilo que a ti não pertence (...) fenecendo, sacudindo
Nos cabelos, no espinheiro e na flor,
E tudo o aquilo que não mais floresce,
(Por que fiaria a costureira a pouca estriga?)
O viçoso cerne, as secas ramas, o enxundioso estrídulo do poente
A cujo encontro jaze no tonitruante silêncio da alva verdejante, e enredado num vestido branco folheado (as águias) com um punhado de rosas púrpuras a pisotear a estreita rua,
E o ergástulo dos rouxinóis que as fontes emaranham com suas afáveis melopéias, (Por que deveria eu por isto vogar?) (...)
E deste tépido e grave timbre estrugindo dos enxurdreiros, o rosno do trovão, escarnindo, rangendo o ímpeto torvelinho (Lágrima alguma escoar?) (...)
O canoro gorjo dos pássaros e das cegonhas, ás caravelas, os tumulados rostos da eternidade, que ao mover-se com destreza, aflam os cântaros e a neve, lá
Onde o tempo ao pó não retorna
(Por que não deambularia eu mais tais pés?) (...)
E os confins das águias e tais reverberações.
Quando os lampejos dos relâmpagos ondularem, como uma nau a suxar o ataúde do augúrio
E o vento sob ele, jamais retornar? (...) (por que deveria eu me dissimular?)
Ao saber que a fé dissimulada
Desprendendo-se, vibrando às talingas das celestiais harpas, a fulva penca, com tento a ruflar, a frágil cumeeira tais como estas sobre o escabelo frio do rossio
E as chuvas ao sequioso teixo, não cessaram minhas lágrimas, nem o pó de meus olhos?
Pois nas mãos da aurora, jazeram tais forças esquecidas (...)

                   I I
Eis que não mais emergirás...

Eis que não mais emergirás
Eis que não emergirás;
Eis que não mais emergirás o dilúculo dos mares;
Onde ciciou a alma duma criança em abaladiços, lá na divinal e auxa floresta, os gorjeios de cristal
A qual dizendo:
Vi a aurora, e a tarde vi e o crepúsculo e a alva, certamente
As conheci em astros de trapos, e em penumbras de ternura
Poderia eu debruçar os ouvidos, na auxocrômica paz que já não fulgura
Até a obnubilada neblina que os gorgomilos das valvas e das coroas imperiais acariciam
E ao eclodir, ouvi-las rugir: Que o vento míngüe meu sopro
Entanto a chuva rompa o céu escarlate e o sol da resignação
E as nuvens afinal, esvaeçam do reino trivial
Que meu sopro apenas pelo vento, e pelo vento apenas cesse?
Renunciou-se a sua voz, e coruscante, o sôo do sal ali aninou.

                  I I I
Pois sei, que não entenderei...

Sei que não entenderei
Pois sei, que não entenderei
O fugaz toque de uma mãe á seu filho, o único e verdadeiro
No distorcido rejubilar da módica poente
Sob a longitude dos seixos enrolados de
Amargor
Costurados... Enredados com o oblívio e a paixão;
A obsecrar suas vidas ao meu anteparo, e essa ponderação...
Pois sei que não entenderei o estarrecer silêncio dum homem
Que subleva sua voz entrecruzada á tais falas
Ao desdém e ao sossego
Como
A esmorecida escuridão da vida, não provirá abrigo á clareza
Como os soberbos olhos dum rei, não se arquearão aos andrajos dum mero copeiro
E o fulgor dum candeeiro, que por mais que reluza
Por mais que resplandeça, não poderá alumiar as estruturas do vasto crepúsculo.

                   V I
Então mamãe, por que renuncio á Deus? ...

Então por que renuncio á Deus?
Por que á Deus renuncio?
Então por que renuncio á Deus e sua inexpugnável fronte, mamãe?
Quando os lilases em asseio, da terra morta, sendo por si só ou até então
Desnudos de zelo agônico e um tanto de diligência, aquecem o mel em minha língua?
Quando, cantarolam o frescor das fontes serrilhadas, ao meio partidas, por punhais de ferro em gentil aprumo ao meu cutelo de ferrolho até os ombros,
Sobre as salgadas poças do gélido casebre,  
E sobre as brisas adormecidas do ocaso céu alado,
Onde o outubro enrodilha as colheres de café e as mãos dos homens
Que o âmago das esquinas e das vielas, roçam?
Mas mussitaste para mim, tal voz
Como quem diz por qualquer vereda, ressoe o ar, ou ressoe o vento
Sendo ela longa ou concisa (A cavalgadura)
Antes das falas sem alusão, e dos cigarros, cachimbos e chás
Entreaberto ao ar, o exíguo pranto dos pecantes
Estende uma tediosa questão sobre seus chapéus e casacos
Através da túmida indagação da eternidade
Que o distante pombo carrega em seu bico, junto com o ramo de oliveiras; (E chora a natureza)
Ó Senhor, a lavraste no sol... Então a afastai de nós, afastaia-a de nós, sob o galgar do nosso respirar
Ó Senhor, a lavraste na lua... Então a pesai, pesaia-a em nossas entranhas no linho e no desalinho tempestivo de nossa morte.

                       V I I
Mas como poderia a própria luz irromper as trevas?...

Mas como poderia a própria luz irromper as trevas?
E a escuridão romper o alvor?
Como poderia um sábio emudecer ao tolo?
E parar os pés para á este auscultar?
És o sol sem brilho, e o poeta sem sopro
Então, como podes acrescer tais palavras?
Debutarás o sol a se por até resvalar à escuridão
Ousarás o domínio da escuridão á cegar o zimbro lavrado em plenitude
Ou venerarás seus tempos, como á juventude á vetustez?
Então, por isso rogo á Deus, para pontificar e seres pontificados
Sejam quietados sobre os ombros de nós, pecantes
Para soprar em nossas mãos, o fardo que arqueia a definhante névoa dos leitos.
Mas que deixe os, por que nada procuram e por que tudo renegam
Pois o frêmito em seus corações, talvez pelos prantos dos olhos ou porventura por seus espasmódicos pensamentos
Rugirão a benção das areias em teus bálsamos. Algum dia.


ll – A Folha do Pastor

Pai, doze lobos negros atrás do madeiro dum carvalho
Ao verdor do dia,
Meu rebanho, rodeavam 
Sôbolos aos meus olhos, ouvidos e nariz, e do ócio costurado em meus pés,
E sussurrou o vento(Em primeiro):

Filho meu...
Dos silêncios, agravo
Do alvorecer, contrito
Por que te tolhe os pés?
Onde pulsa os ossos e os sangues vossos, agora e ao escorrer em outrora
Por que quedos, e alvadios sopram as tuas articulações?
Onde todo o amor vaga no esquecimento
Absorto dissimula a água dos olhos?
Ou pela quietude do deserto
O túrbido estribilho dos cardeais soa?

Ó filho meu...
Do sonho, lúcido
Da manhã, indistinto
Por que te escondes?
Do sol, por que não restas o sopro equânime?
Aquela, que somente ela e ela somente preconiza o vosso louvor
Pois deveria a comunhão vangloriar ao alvorecer do dia
Lá nos sublimes desertos, onde devoluto te cogitas
E com as mãos privativas tremular a paz das lamúrias,
Por que então, alastra as palhas do fardo vosso?
Se eis a luz para que vejas, e a escuridão para que ouças?

Oh, filho meu
Onde a imensurável voz da adinamia translada pelos rios da positiva escassez,
A vacilar o balbuciar através do taciturno ruído de rubros áditos melindrosos
Louvaste com os calcanhares e não com a voz vossa?
Ou renuncia o balbucio de vossa tonitruante comunhão, como pugilo á partilha?
Pois inferes que não és, pueril como teu rebanho nem rútilo como a aurora
Então por que aí te permaneces ó meu filho?

(Então depois, em segundo, furtiva silvou a rocha) (...)

Onde estais criança?
Pois não á vejo...
A sapiência á estes pés esgueirando-se através de pinheiros e hordas solitárias
Tens se distanciado de mim?
Neste vento violáceo que não ouves
O horizonte, a baliza eclodida em aprumo, sob teu queixo, seus pés, e a enxamear em canções de tarde que fico á entre - escutar
Sobre notas congeladas alto pulsando no espaço e no universo intervalado,
Sobre a entremeada planície submersa por rasas ondas cristalinas, que são meus olhos
Estais os medos vossos em cada greta desta terra?
As agruras em cada lã do vosso rebanho?

Ó minha criança
Onde estais criança
Pois não á vejo...
No dobrar de sinos irreais
Abstindo de teus cabelos,
Introverso estais?
Entre a capela, tens repousado o teu ar
No anverso de tuas pálpebras, pois no cunho vosso
Averigua os passos de tuas ovelhas
A justiça no entrelunho exposta
Pois é cega;
A paz e a baliza antrecambadamente vagando dentre a tua mente
Ecoando a batida dos cavalos e as gotas de chuva
Onde na noite o brilho que não vês,
Na canora o som que não ouves,
No lenho a olência que não cheiras,
No ar o calor que não sentes,
A ária pulsante que o ouvido modulou
Agora se foi ó criança...

(Oh, e em terceiro foi o rio, e este á mim murmurou) (...)

Oh, pequena alma
Tão docilmente tremeleando, por que te zarpas?
O vento á soprar faz-te ter frio?
De teu sono leve, de teus úmidos olhos
O que te escondes, em entranhas, Medo?Temor?
Onde surgem os ardores do sol e se agarram as coloras das flores, como serpentes ás crenças do mar, esbravejando como um lobo esfaimado ao fastígio do monte
Alcança a voz vossa até as artes dos pintores e as penas dos poetas?

Oh, pequena alma
Tão docilmente tremeleando, por que te partes?
Nesta relva que cega tua plenitude,
Que afogam suas páginas cingidas por punhos ferrais
E que dobram as sombras dos bravos trovões
Mortificai a fé vossa conforme o vosso pão?
Não te temas... Nem te chores...
Embora o reino da morte e do estiolamento, não perca o sustento em suas palavras
E nas veredas do sofrimento e da dor, teus dedos á volver as laudas de tua vida, pareçam frios...
Sob a magnitude das asas de veludo e da indiferença
Levantar-se-ão os caídos, e caíram os de pé
Que conta os grãos de areia e que abaixa as línguas dos leigos, e hão de descer
Ao distorcer as fumaças dos céus e ares e as colheres de café.
Não temas...

Oh, pequena alma
Tão docilmente tremeleando, por que te tremes?
Compulsa o destino como o sentimento?
Através de dias em gris e alvas sem qualquer brilho
Esperas ainda a tua porta, a gélida névoa matutina?
Sob estas montanhas funestas e dramaturgas, retumbando o teu silêncio
Segues á mim, como teu rebanho a ti?

(Então, depois me calei enquanto o trovão ululava em quarto) (...)

Responda-me Oh vaso
Pois sou seu oleiro
O que preservas em tuas vestes?
O medo á gritar em teus ossos alvadios
Com o estribilho e o ladro dos cães
Tuas ações e feitos, aquela a qual tu ofereces ao vento, ainda sopra?
Sobre esta fonte rogando as quatro estações
Tem teu leito vazio?

Responda-me Oh vaso
Pois sou seu oleiro
Por que te choras?
Estas lágrimas á resvalar de teu rosto, algo encontraram?
Neste flanco sem chamego, nesta botija sem quaisquer gotas d'água
Querem loucos, querem lúcidos, querem orgulhosos, querem coagidos
A ti não verás;
Pois, o homem justo, gentil, íntegro, puro, porém rogou, e se prostrou de joelhos á teu pai
E que por essa tribulação, brotou a quietude, e entre os braços a colheu
Agora podeis o ver?

Responda-me Oh vaso
Pois sou seu oleiro
Seguras em tuas mãos, uma botija vazia
Além das línguas pentecostais e dos pés dos anjos
Eis o homem, que carregou sua ruge cruz
Cujo pai entre tuas mãos, construiu o sol e a lua
E as nuvens e as estrelas
E o mar e a terra, e as montanhas e as ilhas
E o mundo e o universo, e tudo o que nele coexiste
Pois entre o fulgor deste trovão, eis que contigo falo meu filho...

(Então por último, em quinto silabou o sol) (...)

Dizendo... Eis a paz vossa, e nela somente ressoará
Pois entre teus ossos, se perderá a terra
E entre ela viverá, os vermes aos cabelos,
Consolarás o silêncio, como as vozes vossas
E eis que na linhagem e na estirpe, adoeça os vossos gados e tuas partes indigestas
E na aurora lânguida apodreçam as vossas lavouras
Orarás ao vento, e dele ouvirás
Pois entre o mar e a terra, e o espaço e nele somente.
O tempo vosso fruto colherá, e somente entre ele viverás
E se entre a mais pútrida água do jardim, beberes
E da mais seca terra permeares,
Restará ainda o tempo vosso,
Pois somente dele viverás...

lll - O diálogo da pedra e do vento

Certo dia, enquanto andejava os pés sobre uma floresta, e as mãos do outono juncavam as folhas por tal relva
O velame descortinado ao redor do vau dum rio chorava
Sentei-me perto á um rochosa pedra, para resfolgar um pouco
Quando deparei-me com uma pequena brenha ao lado
A noite nevava e o vento soprava
Sobre cutelos pastoris e moscardos ladeados
E algo ouvi ramalhando atrás daquela pequena brenha, aproximei-me ao ponto de saber o que era,
Eram a pedra e o vento, falando apenas um para o outro
Ouvi-las dizer por um tempo, enquanto as altas pradarias acocoravam a lua para si
E os cavalos adormeciam no estábulo ferroado;
Então, disse a pedra:
Ei vento, por onde tens soprado?
Diga-me oh vento por onde tens soprado sobre a aurora nascente?
E então, o disse-lhe o vento:
Ah pedra, soprei ao norte
Ao redor de terras pedintes e frias
Soprei ao longo de montanhas densas e gélidas
Soprei através de crepúsculos tristonhos e ocos
Soprei em meio á outonos nebulosos e parduscos
Soprei nas gotas dum riacho que provia em lacunas
Soprei numa floresta que foi tisnada pelas mãos de um homem
Soprei nas veredas de uma noite que acoitava faiscantes rajadas
Soprei no velame dum navio que galgou 100 mil ondas
E soprei nas notas de um velho violão.

E o que tens feito oh vento?
Diga-me oh vento o que tens feito pela aurora nascente?
Urdi uma canção de ninar para uma criança que não ao anoitecer não dormia
Abrandei mil oceanos que rumorejavam a chuva dos céus
Lavrei uma rosa para uma garota solitária
Abençoei a casa dum pastor que meu nome enriqueceu
Ciciei para que o sol me escutasse
Mingüei dez mil nuvens que devastaram as estrututas duma terra
Sequei os olhos de uma mãe, que perdeu sua mãe
Beijei doze mil auroras que lavraram sóis
Moldei os pensamentos de um homem que só ouvia a própria voz
E abracei o coração de um homem que ferido estava.

E o que tens varrido oh vento?
Diga-me oh vento o que tens varrido sobre a aurora nascente?
Varri a alma de um poeta que cuspiu os bagaços de sua obra
Varri as lágrimas de uma mulher que perdeu seus filhos
Varri o gargalhar de um homem que amava toda sua riqueza
Varri o aroma de uma flor que numa rocha brotou
Varri o sofrimento de uma terra, onde a fome reinava
Varri a doença de uma criança, que não tinha nome
Varri os pés de dez mil homens que pavimentavam campos de batalha
Varri os últimos minutos de vida de uma velha mulher, cujo sonho era ver o sol
Varri as colunas de um restaurante que suspendia uma placa escrita: Só alimentamos brancos
E varri a solidão de um estudioso garoto cuja boca comia de um lixo.

E quem tens visitado oh vento?
Diga-me oh vento, quem tens visitado sobre a aurora nascente?
Visitei as asas de uma calhandra que assoviava meu nome
Visitei as pétalas de um narciso que suportou os ventos do inverniços
Visitei o apelo de um país inteiro sepultado em ruínas
Visitei a oração de uma multidão que chorou ao meu lado
Visitei 5 mil crianças famintas cujos corpos estavam feridos
Visitei o suplicio de um homem que estava prestes á morrer
Visitei as entranhas de uma família que estava incompleta
Visitei os sonhos de uma garotinha que não tinha onde dormir
Visitei a janela de um garoto que nunca viu sua mãe
E visitei as dunas de um deserto que a solidão, distorciam.

Oh, e para onde soprarás agora vento?
Diga-me oh vento, para onde soprarás pela aurora nascente?
Soprarei nas menores milhas da vastidão desta terra
Soprarei em escuras noites e melancólicas ruas
Onde o mais calmo mar se oscila,
Onde as águas dos olhos inundam as marés,
Onde os ventos da aurora impelem suas ondas,
Onde os aromas das flores são varridos pelas mãos das estações,
Onde não trova qualquer pássaro,
Onde os rios e mares são escuros como a noite
Onde as fumaças negras sobem mais alto do que as estrelas;
Onde se pode ouvir sem precisar curvar o ouvido, as pessoas chorando
E do mesmo modo, não se ouve mais...
Onde a mais lisa estrada é tortuosa,
Onde o poeta nada encontra na ponta de uma pena
Onde os pássaros em seus galhos não inclinam suas asas para o dorso do vento,
Onde a luz irrompe a própria alva, onde a lua já não torce
Onde os portões são feitos com a escuridão da noite e são amargos como gotas de limão
Onde o coração do homem é duro como o carvalho
Onde o júbilo dos lábios é passageiro como o vento
Onde pés das crianças estão sempre feridos
Onde o poder do executivo é imenso como o céu
Onde a mais rica terra é pobre
Onde o ódio se espalha como a brasa ao carvão
Onde o sal do oceano é tocável
Onde a chuva cai e o homem não se molha
Onde o poente nasce no vaso de um oleiro
Onde o oceano é como um túmulo
Onde o homem tremula sua bandeira com sua mão suja de sangue
Onde o sangue afoga as ondas do mar
Onde os ventos sopram seus mastros de vidro
Onde a mais verde floresta é curta
Onde os olhos do homem estão sempre bem secos
Onde os martelos tão pesados não batem
Onde a sombra é o único reflexo
Onde as crianças não têm nome
Onde dedos curtos são colocados na frente de gatilhos de armas
Onde balas de canhão furam as nuvens
Onde o homem tece, mas não costura
Onde os mais cansados pés andam pela lama
Onde mãos vazias são como uma multidão
Onde o amor não é nada além de uma palavra
Onde o silêncio ruge mais alto do que o mais estrondoso trovão dos céus
Onde as estrelas beijam céus turbulentos
Onde os sonhos são plantados, mas nunca colhidos
Onde o sopro do vento é como minha voz
Onde as esperanças são esquecidas pelos próprios sonhos
Onde a mão é o coração e a arma é a batida
Onde pessoas famintas vêem mesas vazias em sua frente
Onde um chão tortuoso é a única coisa que as mantém de pé
Onde as águas em seus copos são turvas como a lama
Onde os aplausos são mais altos do que a canção
Onde o rancor é preso no peito de muitos, e risadas correm soltas pelos lábios de outros
Onde Eu olhei uma estante com uma foto de casamento rasgada
Onde Eu olhei bíblias fechadas e empoeiradas em cima duma mesa
Onde Eu vi o homem armado não ter misericórdia e no calor de uma bala, dezenas de sofrimentos
Onde as famílias pobres estão sangrando suas gargantas ao implorar e o homem de terno está se virando
Onde pais enterram seus filhos e filhos enterram seus pais
Onde olhos fechados se fecham
Onde a carne vale mais do que a alma
Onde os olhos são cegos, onde os ouvidos são surdos
Onde as portas estão sempre fechadas
Onde as janelas estão sempre embaçadas
Onde a noite se rompe até o dia, e bocas vazias continuam respirando
Onde a alvorada é longa e ventosa e existem pessoas lá fora
Onde a mais brilhosa estrela não brilha
E ao seu amanhecer se desdobrará sem seu raiar;
Então me retirei enquanto o sol se pôs sobre meu rosto e meus olhos
E disse a rocha: se cada nuvem ilumina o sol e cada estrela à noite irrompe
Sem por que me retiraria apenas para deslumbrar a amarga canção que ouço
E sobre esta aurora que vagas, eis que me curvarei para ouvir e ver, para que possa sentir
Não segundo a carne, nem aos ossos
E sim ao âmago e espírito.
E que meu rogo a ti e apenas a ti permaneça e seja ouvido...

IV – Doce dama do esquecimento

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama do saber alvadio
Agora lhe ofereço meus cabelos, pois a estes
O parco esgalho já não pôde satisfazer
E as águas das torrentes rejeitaram,
E em perdão é que agora me deito
Oh doce dama,
Pois num prévio murmurejo, ouvi de minha ‘alma
Minhas ações meus feitos e cada órgão em instante pulsão que em mim habitara,
Outrora e revestido pela carne que agora estais, e nos ossos que outrora habitara
Agora, poderei eu agora ceder tais coisas á ti?
E tais percentuais, poderão levá-las aos pardos leopardos?
Que os bulbos das olivas, agora já não sentem,
E agora dissimulam minha índole?
Ao sol e á Lua, oh doce dama, exclamei, tua raiva e ódio e onde todos os seus pecados vivem,
E agora afoga em minha pele o preço de tais migalhas
Chorei... Chorei...
Lá onde as almas não choram
Chorarei eu na clareza que não finda?
E depois direi eu?...
Doce dama leve-as de mim;
Então em meio a estas unhas, por sua vez o silêncio em gris ao acompanhar meus cabelos,
Agora eu lhe ofereço;

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama do saber alvadio
Agora lhe ofereço meus pés,
Pois estes,
Os solos já não puderam mais abrigar,
E o vento frio arrancou-lhes de tuas bases
E tudo o que nela posteriormente concebeu,
Pois estes andaram por caminhos inconseqüentes e destes nada aprenderão
E os vermes da terra, que agora saciados estão, ritmados de minhas veias e artérias
E agora á ti, ó doce dama, digo num cicio
Leve para além do vento que bafeja nas asas da lembrança
E somente lá, onde tudo cujo qual possui vida ou forma não se desintegra
Leve-me.
E num sopro oh doce dama, agora a ti, oh doce dama, a levo tais pés
Que o zimbro plantou a inércia, e agora lavrou a escuridão
E a própria terra que acoitou, com um insulto agora ofende
E homiziam cegas visões, na esfera de seus crânios
Então oh doce dama, em meio destas veias, a paz e a tranqüilidade e da calmaria das águas
Agora lhe ofereço;

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama de saber alvadio
Agora, lhe ofereço meus olhos,
Pois estes os corpos e as almas ignoraram e deles nada transgrediu
E tudo do qual eles guardavam não umedeceu nem derramou
E os corvos e gaviões, agora, dispersos de seus ventos, seus bicos e garras gretam sobre ele, 
E o fulgor deles que a escuridão gretou
E o tempo e tais mãos já não puderam mais modificá-los;
Oh doce dama, pois o que vedes conforme os olhos, e ouvirdes conforme os ouvidos
Meu fígado pernas e intestino
Agora, acalmo-me...
E os homens de coroas e ouros, agora clamam por seus nomes
E de pudor e plenitude, agora em vicissitude, gritam:
Senhor do ontem e do hoje, Senhor do hoje e Senhor do amanhã
Proferi em língua estas laudas de espuma, sim, sim, Senhor
Não roguei vosso nome, nem glorifiquei teus feitos
Senhor do verão e Senhor do inverno, Senhor da primavera e Senhor do outono
Venerei o corpo e não a alma, quando dissestes á mim
De respeito em devoção, estou agora, por ora em carne,
E agora lhe digo, em verdade agora lhe digo
Do abismo com a mais negra orla, e da montanha com o mais alto cume
Primeiro ao espírito serás, e primeiro ao espírito viverás, se mortificardes o espírito para a carne, e da carne viverdes, e tais demandas não venerares,
Não serás de meu reino, e direi:
Este não viverdes para mim, viverdes para a carne e as entranhas do mundo,
Este não conheço, afaste-o de mim:
No entanto, se viverdes para mim, e adorar tal afirmação, e segundo a carne procederes,
Direi em verdade:
Este viverdes para mim, e para mim apenas:
Este vangloriou minhas demandas, e este conheço:
E receber-lhe-ei ao reino de glória e esplendor, com os braços abertos,
Então, agora choro, no ombro do passado, e condeno-me pela minha língua, pernas e alma, para as páginas sazonais, além das mãos do tempo, e da ciência que outrora rogou:
Então em meio á estas mãos, oh doce dama
Agora lhe ofereço;

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama do saber alvadio
Agora lhe ofereço os ouvidos;
Pois estes mil gritos, desprezou
E a voz de seu criador renunciou
Pois disparo de balas de canhão cobriu com o silêncio
E o apelo de um país não escutou
Oh doce dama, pois do valor não colheu frutos
E em rumor escondeu-se, e a aurora, queimada agora, nos olhos do crepúsculo, sufoca-me, segura-me, afoga-me, no meu próprio pranto
E sei que teus prães fervor algum requerem, mas somente a franqueza e o lhano em meus propósitos
E por lhaneza, num rogo através deste cicio, disse-me minha' alma:
Quando a redeza for tamanha e vossa propagação pereceres,
Estarei disperso
Quando teus órgãos cessarem á pulsar, e teus olhos umedecerem
Estarei disperso
Quando o gerúndio em teus verbos, cuspirem tuas ações, e tuas páginas curvarem-se á agregação
Estarei disperso
E agora, para amanhã, esparso, ouço-lhe de voz e coração, dizeres... Esperança... Esperança, que em mim fenece, ajoelha-me agora, rogo agora, clamo agora
Pois perdi o durame em minha fé, e agora solitário, outorgo meus membros, pois eles em nada me outorgaram
E das fontes e das lacunas dos eixos do universo e tais sustentáculos, agora e para sempre, choro
Então em meio a esta palma, agora doce dama
Agora lhe ofereço:

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama do saber alvadio
Agora lhe ofereço minha língua
Pois esta não espalhou uma silaba daquele que  movimentos a concebeu,
Pensava-se que as extensões das sílabas exercem, porque não?
Lúcidos e loucos, para estes ela abaixou-se
E para os livres e condenados, outrossim,
Oh doce dama, pois esta soprou um paradoxo, porque a soma de todas as páginas
Não era exata
Então curvou-se para reis e homens, de mortais corações
Pois esta não lavrou luz, e soprou na escuridão
E cada sombra nela aberta, concebeu com os próprios ossos e com suas entranhas
Ao contraditório que a dizes, abaixou-se para os tolos,
E curvou-se para os homens de alta voz,
E libravam outrora, quando dispersava o sangue, de teus músculos
Por ordem ou divertimento, ou por crime ou suspicácia, outrora, sangravam;
Então oh doce dama,
Então em meio a estas vestes agora a ofereço;agora a ti
Minha língua
Agora lhe ofereço;

Doce dama do esquecimento
Doce dama das loucas almas
Doce dama do outrem
Doce dama do saber alvadio
Agora lhe ofereço minhas mãos;
Pois estas venderam toda uma terra
E pecou contra as próprias articulações
E se enraizou nesta terra
Pois estas derramaram o sangue de crianças e mulheres
E tiraram a vida de 10 mil homens
E veio a mim o silêncio, que vibrava através de cárceres sujas e adites taciturnas
Rosnando no seco trovão e em faces enterradas, apenas o suor
Apenas a terra, apenas a rocha agora sinto oh doce dama
Na terra de gaivotas e rochas, agora o suor flui
E repartiu para 10 mil homens, e repartiu para crianças e para mulheres, o pão de sua estância
Nos feitos da lama, água alguma há, e voz alguma vibra
Apenas se ouve o silêncio sangrando através dos ouvidos
Podes ouvir doce dama?
O que ouço?
Do trovão e das nuvens abaçanadas?
O trovão, a rocha, a água e o silêncio, são onde meço meu ar oh doce dama,
E agora em meio, a este sangue, minhas mãos para ti
Agora lhe ofereço;

Oh Doce dama do esquecimento
Oh Doce ama das loucas almas
Oh Doce dama do outrem
Oh Doce dama do saber alvadio
E agora eu ofereço o meu coração;
Pois este por nada bombeou
E atacou-se contra si mesmo
Pois derramou o pranto de muitos, e o tomou de ânimo leve
Pois bombeou pela aurora, pela tarde e pelo crepúsculo e se perdeu de sua pildra
Não bombeou por vida, nem bombeou por morte
Não bombeou pelo sol, nem pelo vento
Agora apenas ouça-me doce dama
Este bombeou apenas pelo tempo, e pelo tempo somente
Que batera o calcinado sol onde não bate nem irrompe as teias a desprender-se com sutileza das outras faces,
E agora somente agora, choro e me oprimo, por tal cousa
Agora, doce dama, somente agora, choro por isso
Pois enquanto batera este pequeno órgão, não encontrou qualquer rédea para dar á sua vida
E entanto digam o que digam, e justifiquem seus propósitos, sem ao menos uma razão plausível
Agora doce dama, somente pela luz do sol, que reluz as trevas e no negrume
Em meio a estas palavras,
Agora lhe ofereço;


V - Oração de Primavera

Proferiu então, para eu e tu
Enquanto as trevas tardavam o rostro do céu azul
Um homem ao zénite dum monte,
Através de seus negros cabelos, e olhos castanhos a olhar o horizonte,
Proferiu tal homem,
De grande barba e vestido em farroupa,
Proferiu tal homem
Para cada ouvido em meio á caboupa,
Sua adjacência aos ombros deslizava,
Como uma cascata á sua fonte,
E sua veracidade e vigor, eram sólidas como um monte,
Tais palavras, derramavam a água, e o itinerário dos rios á ermo
E seus obséquios concediam aos frutos ressequidos
E aos seus possessores, na distante sílica do deserto;
Proferiu aos pobres tal homem, e aos orgulhosos, com igualdade
Falou aos apáticos, oprimidos e leprosos, em divindade
Falou aquele, aos escravos e camponeses, e aos homens traiçoeiros
E aos doentios, cerca ás mãos dos curandeiros;
Falou tal,
Até que asas das corujas sobre a noite avultassem
Até que soçobrasse a luz do sol
E até que os mugidos dos gados á alta pradaria cessassem;

Com o chilrear das águas, e o vozear duma criança em risada
Ao lado da torrente distorcida com a chuva alada
E a balroa sobre a luz do sol intrínseco, contra a cortina lúrida dos outonos ininterruptos, e destes o mesmo pão,
Através de contos abruptos,
As mulheres solitárias, á seus filhos em camas de ferro e madeira
E dos arpões sob o travão e o entrave nas sendas regeladas pelos triunfos da esterqueira,
E tal homem,
Chamou aos homens de altas tribulações
Como se estas fossem partilha á sua alma
Gritou,
Sobre o crepuscular do céu
Gritou, a cada vivalma,
Foi então, quando ouvi das árvores nubilosas, e dos sonhos sacralizados por mãos ocultas
O som dos cavalos brancos em derredor ao fervor do dia, como uma criança em sigulta
E enquanto aquele homem, saciava as crianças em embolhas,
Oh, este transladava cada frase, como um rio ao transladar as folhas,
E disse tal: sobrestarei meus pés, e algo lhes direi;
Tais palavras que direi, escritas pela mão de um homem, que amou ao próximo
Escritas sobre o dorso das mais rígidas rochas, e articuladas, nos mais gélidos ventos
Sobre o universo e sua forma, e ao altíssimo, e falei:
Senhor do hoje, e de outrora,
Senhor da aurora, e do porvir
Onde vós estais oh Senhor?
Roguei á ti ao alvor, e ao tardar
Á ti roguei, sob a escuridão da noite, e a este o elevar
Mas não me escutai oh Senhor
Estou eu tão disperso á ti, que tu ao menos consegues ouvir-me a voz?
Porém saiba eu, que caminhei ás ruas como um homem de alma atroz
E que caminhei sobre o âmago das veredas da morte, Senhor, caminhei
E sobre as vísceras das sombras tinhosas, Senhor, andei
Guiei-me ao pasto do pecado e não ao teu cajado
Encontrei lobos e raposas, e estas me arrancaram o sangue
Sobre a roda do princípio, tu moldaste meus olhos, Senhor
Mas estes não o buscaram
Sobre a roda do princípio, tu moldaste meus ouvidos, Senhor
Mas estes ouviram somente a própria voz
Sobre a roda do princípio, tu moldaste meus pés, Senhor
Mas estes não andaram á tua vara
E agora estou aqui oh Senhor das laudas, chorando ás minhas vestes espadaúdas
E em quinhentos côvados, medi meu porvindouro e minha desventura, pois perdi a alma como um verdugo e um algoz, que tece, mas não costura
Pois clamei ás flores da primavera, e tais não ouviram-me
Pois, clamei ao sol do verão, e tal não ouviu-me
Pois, clamei aos ventos do inverno, e de nada tais serviram-me
Pois, clamei ás folhas do outono, e tais de nada serviram-me
Minha fé secou-se como a argila
Meu vigor derreteu-se como a cera
Minha esperança desgastou-se como a chuva
Meu amor como o vidro se rompeu
E meus sonhos toldaram-se como a tarde,
E agora, aqui choro Senhor, onde vejo o ódio num alarde,
E sobre minhas vestes arraigou-se meu medo
E mui fraco, me encontrei, ao sol á cedo
Resgata-me das mãos do passarinheiro
Tira meus pés da rede dos pescadores,
Ouve meu clamor
Olha para teu filho
Pois tu és, aquele que pôs o sol ao céu
E que fez a lua resplandecer
O Senhor é a estrela da manhã, e a reverberação que há nela
O Senhor é aquele que ordena o vento soprar, e que pintou o céu e o mar
O verso da epopéia, e voz de minha ode
Aquele que deu forma ás montanhas, e que ornou as florestas e rios
E agora, lhe peço, Senhor, ouve meu rogo nestes cicios
E olha para minhas páginas, me faça ter sede de tua palavra
Porque porquanto tiver voz, lhe adorarei
Porquanto o sol brilhar, estarei em tua presença
Porquanto meus lábios se moverem, lhe pedirei
E em tua presença, me colocarei
Que perante estas palavras, vós me ouçais longe deste haré,
E em teu tempo, repara minha vida
Que assim seja, Amém.

Então um homem se levantou através do lôbrego canto das cotovias
E das aves marinhas ás penedias, sobre a tarde fantástica, ao redor do ancoradouro flutuante sobre o azul profundo
E do aguaceiro funesto de anos mórbidos, que os gafanhotos tragaram ao oriundo
E sobre o oneroso timbre do vento medonho ao trigo e ao centeio soprando, e de celestes trovões soturnos e sombrios sobre pardieiros escarlates clamando, e soslaios e a esguelha, a ousar em remissão e misericórdia, e níveos alfobres olvidados pelas castanhas margens do destempo afogado na socórdia
E este então disse: sou aquele que dentre os mortos levantou-se
E agora entre vocês, minha voz sonzea em cada grede
Foi quando os cardeais esvoaçavam o halo das pedras preciosas apanhados por troveiros hirsutos e de longos tempos, e dos peixes emaranhados sobre a rede
E das granjas, a aragem, que porventura, só, como uma vela
E o sol me pôs
E como um caco de greda, ressequi-me os sonhos em dois
E dentre áditos obductos pela bruma possante e suas gentis flamas, e as estrelas da manhã da tarde e da noite, sobre o verde candelabro e suas chamas
Sobre a aurora da vida, mirrado sobre o carvalho
De salpicadas folhas pelo doce orvalho,
E manchadas com o sangue de desconhecidos mavórcios, que blasona e ostenta, o sol ao céu
E desta terra de outrora, de filhos sós, de amáveis mães, e de mantilhas aquecidas e um véu
E mainando suas velas principais, e suas astilhas de ferro
Em suma, apenas me virei em aferro...

- Em ruas o medrar das flores há,
Do altar a areia branca, igualmente
E nessa rocha azul, agora toda a tristeza cessará, tal disse á serpente;
Oxalá fosse verdade, gritou um homem, enquanto toda a multidão caia em gargalhadas e em vão
Moveu os lábios, tal homem, e disse:
- Se desacreditas veja com os próprios olhos, irmão;
E agora, somente o som das crianças brincando ao redor do bosque, asseando suas testas com o quente suor em mosque,
E sorriem depois de perseguirem borboletas, sobre o verdejante relvado e as violetas, E purificados pela candura fincada nos vasos de seus olhos, e os jardins em grandes frutos, o pêssego, a maçã, certamente abundosos
Agora, sob as faíscas da lareira, sobre o madeiro da esbraseada lenha, o amálgama daquele sem levante, o sanguinheiro sob a brenha,
Oh, a lua chorando cristais de gelo
O sanguinhal sobre a mata, do tempolábil pela vida, gelificado num cabelo,
Obscuras sombras nos devoram a alma, perdida sobre o semblante do sol em minha palma
No morouço do tempo, dançamos para o vento
Na lapônia guerra, nos suicidamos antes do amanhã
E a areia, agora desce engolindo nossa fina carne, o intento
Deixada ás vestes do passado, desmanchando sob os pés da guerra sobre a chã
O lapso em minha cabeça, afogando as estrelas sacrossantas no ventre das trevas tingidas pela neve, os tritões, outrora e agora, respirando em bolhas de gelo, emergindo ás linhas do mar, esparzindo para além do vento e do rostro do alqueve  
Estradas, lavradios, um monte em lava, o sol a escalará
O som de mil mortos, meu irmão, agora dentre eles vossa fé, protelará?
Uma carta ao som dos céus, doravante ao ventre da guerra congelada pelas pontas de meus dedos, sombras bailarinas sobre o esmo teatro da vida, e no enredo
E atuamos acorrentados ás notas dedilhadas ás cordas do velho violão, e sua madeira enriquecida com as batidas de meu coração,
Enregelado o som das calhandras, ecoa em cotovia, no sol ardente
Da manhã, transbordante de quartzos e cristais, aos eixos do poente.

Prolongado sobre os graves sopros de amarelas flautas, sob o assento batismal, aos centímetros, encolhe-se a longa serpente, que roja entre nossos ossos e sua pauta
E o bafio das cercas de madeira, agora subindo, se fundindo ao tombar da negra chuva, nossas testas ungidas pelo perfume da mais pura rosa, e suas pétalas atadas ás mãos de Deus
Árduas orações, escorrendo o ardume sobre a rocha azul, e sua forma, como uma taruga.
O queixume de crianças e mães solitárias, ecoando nos lábios dos ventos meus,
E pedras embalsamadas aos ossos de leopardos famintos, suas garras que outrora agarravam suas presas e os jacintos,
E agora soltando suas vidas em pontas disformes, cantarolando somente para o vento, e aquela rocha azul fenecendo a quem dorme (...)
O orifício do tempo e espaço, decorrendo contínuo a existência da noite, o auriflama, Estandarte, tanto pedras e águas, de nuvens auríficas, afogadas sobre a lama;
Ás campinas, os velhos robles, os carvalhos,
Agora somente andam, na ponte, recolhida aos borralhos,
Oh, e o café agora deixado á xícara, e a orla daquela xícara, permitindo que tais gotas caem...
E sobre o velho céu angélico, derrubado pela cinza intempérie que o equivalem,
E jazida no império do ódio e das trevas ressoantes.
E numa face descontrolada de sonhos distantes,
Os loucos, os tolos, os senhores e suas guerras, e em meio á uma onda de fogo, fui morto (...)
Então á rocha azul, em silêncio agora clamo sobre as serras, e as chamas ardentes de meu conforto (...)
 
O tardio coração sobre poemas agarrados numa sombra rodopiante sobre o crepúsculo, e fui acordado
Pelo som dos mexilhões sobre águas mansas, e ondas verdejantes deste verde cordoalho
E sobre quersonesos sustentados pela espada e o broquel de homens inocentes,
E a chuva distorcida clamou em céus nascentes,
E em cima de pregos enferrujados sob o cruzeiro ao adro das igrejas, minha voz se calou
E meu amparo foi minha égide, e meu brasão, sobre as mãos da mulher que primeiro aos braços me segurou
E sobre o primeiro olhar do homem que me ensinou a viver
As abelhas somente voavam a enaltecer (...)
E através de minha pátria, e águas e altas marés cobertas pelos pés de tal homem,
Apenas ouvi, os corvos e águias, sacudindo suas asas, e o que comem
E contemplei aos olhos, o que aquele dizia, e o silêncio perecia pelos dízimos como a alma da calmaria (...)

E no multíplice do nevoeiro içado pela cruz sombria do óbito infinito, alinhavado sobre a estrutura das estrelas saltitantes ao som dum grito,
Os tolos inglórios, erguendo suas mãos á sombra selvagem do martelo místico do vetusto céu,
A chuva sobre o estiolamento dos corpos, apenas os ratos andejando sobre nossos sepulcros, jazigos, masoléus (...)
No setentrião da bruma, nossas lágrimas são ocultadas num arpéu,
Ruídas nos corpos escassos de fome,
E nos rostos descortinados detrás, a um véu (...)
Os bastardos agora erguendo flores aos nossos epitáfios, um sorriso aos lábios demasiados com seus sáfios,
A tempestade amarrada ao surdo amanhã, na chuva, no archote, nossos lábios só torcem a alma da gélida manhã, retumbando tão solene no cárcere vespertina da túmida canção
Enaltecendo rapidamente as cores da nascente e os estrondos do trovão
No curso, o trajeto da vida há, e nada mais.
Nessa rocha azul, osculando o joelho de incrédulos e tais,
O oscular das menos brilhosas estrelas aos meus olhos brilha, e nas folhas do outono consumido pelo inverno, da fronteira enigmática e da vigília
Afinal, do que tal diz?
Deambulando sobre hastes lenhosas, ao redor dos eixos da terra, e o pó do mar em gris
E chamando á todos nós (...) Enrodilhando cada alma nas entranhas e nos ilhós (...)
Do outubro, um paradoxo alimentando a criação,
Ao lado de golfinhos chorando debaixo ao mar uma canção
O verão numa súbita nuvem minguada, minguando a minha chousa
Nossos ossos enterram a própria fé, credes em tal cousa?
E ouvi aos ouvidos o que tal dizia.

Sob um impulso acima da divisa, de terras férteis ao rancor
O cheiro do pavio sobre as rochas há, o seu amor
E sobre esta rocha azul, no fogaréu das ondas puras,
Toda a lágrima acoitará, e nas chamas, a sua frescura
E sobre o seio de minha mãe, agora estas palavras entornadas com um argumento
Coibidas pela manhã resgatada das trevas triturantes, de ondas esquecidas pelo mar furioso consagrados ao intento
Somente a lágrima aqui há, e nada mais.
Então todo um inverno, nas asas da garça, os sopros catedrais
Entanto chorasse o melro disperso ao som do oceano transbordante de cristais
Ainda sim elevavam seus silêncios em furacões e vendavais (...)
Os arbustos defrontados ás línguas dos oradores, e dos carrilhões cobertos de neve, assobiando aos santos de barro,
O sábio encolhendo-se as trevas, a este clamou ao seu tenjarro
E o órgão agora soa, apenas para a leve brisa, beijando docilmente o caco de janelas ornadas em esmeralda pura,
E somente ao pasto, e a mortandade clamando da culminância das montanhas e dos animais além fronteiras, chicoteava os vergalhos sua alvura.
No pano, prognosticado pelos lábios do furacão louco retorcendo suas trombetas
O céu agora chora para mim e tu, esparzido além dos mais distantes planetas
E agora, quem nos dera as palavras daquele tal homem
Atroasse longínquo dos ventos gélidos, com a fusão da dor e da fúria
Engolidos pela terra,
E chegasse aos nossos ouvidos, cada frase pronunciada, por tal naquela serra,
E agora, enterrado pelo o colosso e o orgulho,
Aquele homem chamando-nos, chamando-nos em seus refrulhos tão rangentes
O lábaro tremulando ao gentil toque das nascentes,
A charneira, o pão, o vinho, o peixe e o cambulho
E o vime estendido agora ás costas e o esparto e o esparvão agora deixados,
Por esta terra, ó amigo, agora, de quícios e quícios pregados,
Os pássaros ciciando e cantando os nomes dos rebeldes, e daqueles tão cansados
No zênite daquele monte, e tal homem á nós sorrindo mesmo pregado,
Não creio que ele sorrirá para mim um dia
Entanto minha vida mude, minha alma já partiu,
(Dêixis) O feitio, o escudo, o bravio, e o lavradio, uma lágrima inundou um rio
(minha morte aquece meu vazio)


VI. A Poesia do Vento


Quando pelo ventre da aurora, afloravam a aragem nos rios
O sol afundava as cores da manhã esquálida;
Onde as estações se rompiam pelos cordames dos navios, e queimavam a poente em seus cabelos,
Quando os homens firmavam seus sapatos e acendiam seus cigarros e tomavam seus cafés
E os sábios erguiam suas mãos, através do gelo, da névoa e do sol
As cascatas deslizavam pelos sonetos deambulos da alfazema e do sal dos leitos.
Quando os trovões navegavam pelos sopros dos ventos e das marés,
Trazendo os gritos das crianças
E o bafio dos pães que pairara no ar, como as asas duma gaivota
E as janelas ruíam e torciam e dobravam e sopravam e jaziam as algas do mar
O amor se perdia, o amor se perdia nas dobras das campinas nupciais.

Onde nos céus prateados, as marés rumorosas sopravam
E os carrilhões sobre as gotas de chuva e os flocos de neve assoviavam
E os cavalos brancos cavalgavam pela neve mística e selvagem da meia noite
E as chamas do céu a partir dos campos de centeio, submergiam
E os relâmpagos cintilavam e agarravam e lavravam a luz em suas palavras
E as costas da nascente batiam
E as pedras afundavam dentre as águas tomadas pela inocência dos céus
E as raízes agarradas pela terra, vibravam seus frutos
E as serpentes se arrastavam pela poeira e pela espuma e pelas trevas ressoantes da noite
E as baias verdes ficavam totalmente submersas pelo mar
E os pássaros construíam seus ninhos com as palhas e os fenos
E as mentes eram velhas como o tempo
E as poesias transcreviam pelas bolhas d’água
E os trens partiam com o rumo das calhandras
Delirava a noite serena sobre o termo do dia.

Quando pelo brilhar do sol, surgiam os corais e as pombas nas praias tumultuosas
E os mexilhões oscilavam as ondas
E os gansos e os melros afundavam os raios do sol
E as crianças descansavam seus pés, enquanto as brisas erguiam seus cabelos
Os velhos viravam seus jornais e esvaziavam suas xícaras de chá e seus pratos de torrada
Quando suas janelas batiam e suas cortinas voavam
E apoiavam seus contos e estórias em seus chapéus
E as folhas despencavam em seus bancos
E o amor se rompia, o amor se rompia nas vestes do vento
E nas pétalas das rosas, onde os chaveiros moldam suas chaves, e os pintores seus artifícios
E as manhãs, as crenças e as nuvens e o saber do sol.

Embora soada pela estrada, foram suas palavras
E as ruas estivessem quase ermas, ainda sim se ouvia a inquietude da lua
Através do sal do oceano, as canções de ninar eram tecidas
E pelas noites indormidas, as cadeiras ruíam
E as conchas entrelaçavam as mãos do oceano, e quebravam as ondas e o céu das manhãs
E a neblina rugia sobre as espáduas das montanhas
E sobre os oradores cuja língua jamais cessa
E sobre os homens que deixam cair às flores nas sarjetas
E sobre a chuva que persegue os becos do tenro crepúsculo
E sobre a fulva verdade adormecida na fulhigem das chaminés
E sobre as rosas fenecidas á negro, da pálida tarde
E sobre os rostos escondidos na escuridão do alvorecer
E sobre os galhos que pintam os ventos do outono
E sobre as ruas onde fluíam as vozes das mulheres desamparadas e sem agasalho
E sobre as praças aquecidas pelas mãos da primavera.

Então, as lágrimas esvoaçavam o céu das noites
E debruçavam a luz das manhãs
Onde por sequer uma vez quebrou-se o pranto de uma criança
A pureza em suas palavras era lavrada
E entre seus olhos, não assolava sua fé
Onde pela amargura de sua prece, regem-se as flechas
Não poderá fenecer qualquer rosa
E o mel em suas línguas, tornará desnudas as vísceras dos homens
E anoitece as cores da poente e do sol.
Então dobrados os sinos soarão
Para aqueles sem fé ou esperança
E com fome e com sede, e com dor e pranto
E pelas relâmpagos majestosos da tempestade
E seus sons cintilavam e torciam suas sombras
E seus raios despejavam furtivos pelo umbral da porta
E pelos rostos ocultos e pelas vozes sem eco
O ruído confrontado do céu hipnótico
Afogava o nevoeiro em suas almas;

E sobre a cortina branca, derramada das nuvens
E sobre o suor gélido derramado nos algodões
Os trovões disparavam a liberdade em seus corações
E as estrelas sem por que, esvoaçavam sobre cada olhar úmido pelo céu da alva
E em cada alma gentil e com amor, ou até então hasteado em sofreguidão
Seus rouxinóis ecoavam seus nomes em sonetos rebeldes e as vozes ao longo, quebrados pelos golpes do vento e pela emoção em seus olhos
Dobrava as sombras á esmo.
E sobre as marés contorciam as chamas e os pães da neve
E soavam por glória e esplendor e pelo pão em suas mesas
E apesar das lágrimas ressoarem o brilho do tempo
E da noite serena ir se erguendo lentamente
E as flores em suas páginas terem se queimado pela luz dos lírios
As clavas em suas mãos eram como gotas de chuva derramada em suas terras
Enquanto os amantes em suas trilhas oscilosas clamavam.

Oh, e na amarga estrada do entardecer caído
Os homens davam rédeas á seus pecados
Onde outrora, a aurora cobria sua alma
Pela liberdade entreaberta, os peixes nadavam
E os pássaros voavam
Através de sua penugem castanha
E o doce leite derramava sobre os cantos das árvores
E os cardeais cantavam uns para os outros
Sobre as nuvens pálidas como o marfim.
Então os mortos puros e desnudos, sopravam suas cartas
E a juventude jazia no dorso das ondas
Quando pela luz do sol, tiveram seus olhos cegados
E beira mar, os ventos sopravam
E os barcos velejavam
E os pássaros voavam
E os peixes nadavam
E as pedras ruíam
E o sal e a areia se ajuntavam
E o sol brilhava
E os violões descortinavam estórias
E as canções eram compreendidas
E as mesas estavam sempre cheias
Sobre o nevoar das trevas,
Então solitários e desamparados, lavraram a luz da escuridão sem domínio.